Países querem que o Google remunere jornais por conteúdo
28/04/2022 28/04/2022 04:28 134 visualizações As empresas jornalísticas do mundo inteiro vivem uma expectativa aflita: que as grandes empresas de tecnologia, Google e Facebook à frente, repartam com elas a parte do seu faturamento que possa ser considerada proveniente do uso do conteúdo produzido por elas. Dois países já arredondaram projetos de lei com essa finalidade: Canadá e Austrália. No Brasil, o projeto de lei, assinado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB), elaborado em conjunto com as associações de jornais e emissoras do país (ANJ e Abert), naufragou em sua primeira etapa — a que imprimiria rito urgente à matéria. Uma das restrições é que o projeto privilegia grandes grupos de comunicação, em detrimento das pequenas empresas. Durante a reunião semestral da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP-IAPA), ocorrida no último dia 20, o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, defendeu como critério de proporcionalidade para remuneração o número de empregados de cada empresa que participar do rateio. A ideia não encontrou eco entre os representantes dos demais países no encontro. A lei australiana que trata da remuneração, pelas big techs, pela produção de conteúdo jornalístico virou referência para todos os países interessados na partilha. Os representantes internacionais presentes no encontro da SIP apontaram a lei como modelo durante o debate. O deputado Orlando Silva, relator do Projeto de Lei 2630/2020, e o representante da ANJ defenderam o texto do projeto. Rech foi enfático: "Defendemos na ANJ que um dos critérios para definir valores seja o número de jornalistas empregados por esses veículos de comunicação. Aquele que emprega 100, 200, 300 jornalistas está investindo muito mais. É isso que nós devemos estimular". Essa proposta, no entanto, não alinharia a legislação brasileira com a australiana ou com a canadense. Na Austrália, apesar da mesma sugestão de vincular fundos revertidos ao jornalismo com o número de jornalistas contratados ter partido da Country Press Australia, uma associação que representa 190 jornais no país, na legislação aprovada a remuneração ficou ligada ao atendimento dos requisitos de tipo de conteúdo, audiência local, padrões de profissionalismo e qualidade, receita anual mínima de AUD $150 mil e controle de operações das unidades de jornalismo registradas como integrantes da organização midiática. Durante a reunião da SIP, Paul Deegan, presidente e CEO da News Media Canada, uma reunião de oito associações de centenas de veículos de imprensa canadenses, disse que a previsão também não faz parte do projeto deles. A proposta canadense exige apenas que a empresa seja qualificada como jornalística para fins de Imposto de Renda, tenha ao menos dois empregados, produza conteúdo de interesse geral em qualquer formato e opere dentro do país. "A vasta maioria dos produtores de conteúdo no Canada é coberta pela legislação. Publicações pequenas, médias e grandes. E nós estamos ansiosos por ver essa legislação ser aprovada, pois ela é vital para o ecossistema de notícias do Canadá, e espero que seja aprovada rápido". Danielle Coffey, vice-presidente executiva da News Media Alliance, que representa mais de dois mil veículos de mídia em todo o mundo, relatou esforço no sentido contrário ao proposto por Marcelo Rech em proposta que a associação elabora para apresentar ao Congresso norte-americano. "Tentamos criar a legislação para que ela sobrevivesse aos tribunais e, em fazê-lo, nós incluímos um limite para que ela beneficiasse publicações pequenas e regionais: no máximo 1,5 mil empregados por publicação, o que, efetivamente, exclui o The Washington Post, o New York Times e o Wall Street Journal. Também há um piso de US$ 100 mil de rendimentos anuais, ou critérios alternativos como números ISSN de jornais comunitários, organizações sem fins lucrativos cobertos pela regulação 501c3 e outras categorias que garantiriam elegibilidade se você não chegar ao piso de US$ 100 mil", afirmou Coffey, que também já foi conselheira e vice-presidente da Associação da Indústria de Telecomunicações dos Estados Unidos. Segundo o site Congresso em Foco, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que não há expectativa de tentar novamente aprovar a urgência do Projeto de Lei das Fake News nas duas próximas semanas. Segundo o deputado, a falta de consenso entre os partidos sobre o mecanismo da lei que prevê a monetização de veículos de comunicação é no momento o maior obstáculo para avançar com o projeto. Essa previsão foi incluída de última hora como substitutivo no artigo 38, que altamente contestado pelas empresas de tecnologia. No início do mês, a urgência no projeto foi a votação, mas acabou derrotada por apenas oito votos. Modelo brasileiro de controle Para o especialista em Direito Internacional e Constitucional do escritório Peixoto & Cury Advogados Saulo Stefanone Alle, não é possível dizer que o projeto brasileiro é uma tentativa de impedir a deterioração do mercado pelas grandes empresas de mídia, mas certamente não existe, como nas legislações da Austrália, Canadá e Estados Unidos, uma intenção clara de focar em empresas de determinado porte ou alcance regional. Os projetos estrangeiros buscam reanimar veículos jornalísticos que são veículos únicos ou essenciais para a levar notícias locais às populações e, enquanto o artigo 38 do PL 2630 reproduz muitos dos termos usados em outros países, não há determinação dos critérios. O que há é uma previsão de regulamentação dos critérios a serem postos em outro dispositivo legislativo, ou por decreto, num outro momento. "Quem vai fazer essa regulamentação, o Poder Executivo federal?", pergunta Alle, apontando que a ideia foi jogada no projeto e não foi suficientemente desenvolvida. "A premissa aqui é que quem usa a peça autoral produzida por outro deve pagar por isso. Num mercado como nosso, seria natural que houvesse uma negociação entre as partes, mas por alguma razão o Estado está se colocando aqui e criando uma legislação para organizar essa relação". Para o especialista, essa disputa legislativa em curso no Brasil talvez não seja o tipo de dispositivo ideal para a nossa cultura empresarial e de sistema de comunicações. O Ecad já permite, através de diversos dispositivos, que conteúdos protegidos sejam buscados na internet e que cobranças sejam determinadas. Uma legislação que obrigue as plataformas a manter controle de quais produtores de conteúdo devem ser ressarcidos e em quais valores pode até beneficiar veículos menores, que não tinham recursos para pagar buscas e acionar o Ecad. "O ideal é que façamos uma reflexão como sociedade sobre o que nos interessa em termos de modelo. Estamos num momento de ruptura e de transformação e vemos um novo modelo em que temos os produtores de conteúdo e que os consumidores são os veículos online, os mecanismos de busca e agregadores de notícia. Vamos ter uma relação privada, num modelo de contratação de terceiros? A questão é como vamos fazer essa relação se tornar mais efetiva".