Exceto em situações de flagrante violação à Constituição ou à legislação infraconstitucional, não cabe ao Judiciário o controle da destinação de recursos do orçamento feita pelo Legislativo. Assim, com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou liminar e validou nesta quinta-feira (3/3) o Fundo Eleitoral de até R$ 5,7 bilhões aprovado pelo Congresso Nacional. Prevaleceu o
voto divergente do ministro Nunes Marques, para quem é "passo demasiadamente largo conferir ao Supremo a tarefa de corrigir as opções legislativas feitas pelos representantes do povo no que toca tão somente ao estabelecimento das prioridades orçamentárias para o ano de 2022". O entendimento de Nunes Marques para negar integralmente a liminar e manter a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022, que aprovou verba de R$ 5,7 bilhões para o Fundo Eleitoral, foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia seguiram a divergência em menor extensão, votando pela concessão da liminar, por verificar inconstitucionalidade no artigo 12, inciso XXVII, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Porém, eles consideraram constitucional a posterior LOA, que aprovou verba de R$ 5,7 bilhões para o fundo. Já os ministros André Mendonça, relator do caso, e Ricardo Lewandowski votaram para suspender tanto a LDO quanto a LOA de 2022, reduzindo o valor do Fundo Eleitoral para R$ 2,1 bilhões. Em seu voto, Nunes Marques ponderou que "não pode o Supremo assentar, ainda que em um cenário de restrição orçamentária, e mesmo de crise pandêmica, a melhor alocação para a receita pública, visto ser essa tarefa eminentemente política". Segundo ele, não existe espaço de atuação da jurisdição constitucional quanto ao dimensionamento da verba destinada ao Fundo Eleitoral, "sob risco de se abrir caminho para eventual controle, às minúcias, de cada dotação orçamentária". Para Nunes Marques, salvo quadro de flagrante violação à Constituição e à legislação infraconstitucional, que, segundo ele, não é observada na situação, a alocação orçamentária ampla deve estar ao largo do controle jurisdicional. "Ainda que se diga que o constituinte derivado venha a elevar parte da disciplina orçamentária à envergadura constitucional, especialmente no que diz respeito às emendas impositivas de bancada, não cabe ao Supremo, com base em juízos próprios, atribuir qual seria o melhor emprego dos recursos públicos, ou o patamar considerado válido de um certo investimento".
Voto vencido Em nome do princípio da proporcionalidade, o relator do caso, ministro André Mendonça,
votou por rejeitar o aumento dos valores destinados ao financiamento das eleições deste ano. Ele sugeriu que fosse utilizado o mesmo valor das eleições de 2020, de R$ 2 bilhões, acrescido da correção monetária. "Na esteira de um constitucionalismo de precaução, defendo ser melhor que os agentes políticos e partidários realizem seus cálculos para as eleições gerais de 2022 com valores do Fundo Eleitoral em bases mais realistas, haja vista a plausibilidade dos vícios de inconstitucionalidade afirmados", disse o ministro. "Não tenho dúvida em afirmar que o princípio universalmente consagrado, que é o princípio da proporcionalidade, foi afrontado pelo aumento ocorrido em relação ao fundo eleitoral", afirmou Mendonça. Para o magistrado, que é relator da ação apresentada pelo Partido Novo contra o novo Fundo Eleitoral, "não se trata de ir contra a política. Ao contrário, uma democracia consolidada deve ter nos agentes públicos e ministros uma ação que preserve a importância da política, dos partidos e do Congresso. Só construímos uma democracia porque cidadãos se dispuseram a ingressar na vida pública", argumentou. "Todos nós, inclusive a política, devemos respeitar a Constituição". Ainda segundo o ministro, não há justificativa plausível para que o Fundo Eleitoral apresente os valores aprovados pelo Congresso. "As autoridades não aportaram razões mínimas a justificar a significativa mudança no volume de recursos", afirmou. "Não vejo justificativa para considerar proporcional o aumento em relação à inflação superior a dez vezes, sendo que tivemos no período a maior crise da nossa história". De acordo com o ministro, houve também ofensa ao princípio da anualidade eleitoral. "A modificação do processo eleitoral no espaço de tempo inferior a um ano é inconstitucional. Mesmo emendas estão sujeitas. O mesmo se passa com leis orçamentárias". E completou: "Compreendo que a controvérsia merece uma análise mais detida, porque incumbe ao STF o poder de aferir a proporcionalidade das escolhas do poder público".
Ação do Novo Em ação direta de inconstitucionalidade, o Partido Novo argumentou que, para além da imoralidade que representa destinar bilhões para financiar as campanhas eleitorais em 2022, o dispositivo é formalmente inconstitucional. A legenda sustentou que o projeto saiu do Executivo com previsão de R$ 2,1 bilhões e, por meio de emenda do Congresso, foi alterada a nova fórmula de cálculo para o aumento discricionário do fundo em cerca de 200%, criando nova despesa na Lei Orçamentária Anual. Para o Novo, a alteração do cálculo se deu através de flagrante vício de iniciativa, uma vez que é da competência privativa do Executivo a submissão ao Parlamento do projeto da LDO. No âmbito material, alegou que o artigo 12, inciso XXVII, da LDO contraria as normas constitucionais de elaboração do orçamento público federal, que estabelecem a iniciativa do Poder Executivo e vedam emendas que inovem no orçamento ou que sejam incompatíveis com o plano plurianual. A mudança, na avaliação do partido, "macula o aumento pretendido e escancara a intenção pessoalista dos parlamentares em simplesmente aumentar os recursos disponíveis para as suas campanhas eleitorais às custas do erário, sem qualquer previsão legislativa que autorize fazê-lo". O partido pediu ao Supremo que adiantasse os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 12, XXVII, da LDO 2022, impedindo, assim, a sua consolidação no orçamento público por meio da LOA.
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