Vereador que usava nome de parente morto há 12 anos tirou licença do Exército para colecionar armas com identidade falsa

17/03/2022 17/03/2022 06:22 118 visualizações
Valdoir Bento Tavares foi preso no dia 7 deste mês suspeito de duplo homicídio em Ariquemes (RO)

A Polícia Civil afirma que o presidente da Câmara de Vereadores de Nova Nazaré, a 800 km de Cuiabá, Márcio Túlio (PSDB), que na verdade era Valdoir Bento Tavares, preso no dia 7 deste mês suspeito de duplo homicídio em Ariquemes (RO), conseguiu até uma licença do Exército para colecionar armas, nos 12 anos em que usava identidade falsa.

Além do duplo homicídio, ele é investigado por uso de documento falso, falsidade ideológica e posse ilegal de arma de fogo.

A defesa do vereador afirma que ele é inocente sobre o duplo homicídio em Rondônia e que vai recorrer para ele responder em liberdade pelos flagrantes de falsidade ideológica e posse ilegal de armas.

Entre os documentos encontrados com o vereador está um registro emitido pelo Exército Brasileiro que dá direito ao exercer atividades como o tiro esportivo e caça. O documento também foi emitido com a identificação falsa.

O irmão do vereador, Valteir Bento Tavares, falou com a polícia. Ele foi preso também na semana passada. Além da verdadeira identidade, Valteir confessou que matou duas pessoas em Rondônia em 2007 em uma briga.

"Começou aquele empurra empurra, eles empurraram meu irmão mais novo, caçulinha. Eu falei pra eles, perguntei 'pra que isso'? Eles vieram pra cima de mim, quatro homens em cima de mim, me deram garrafada na cabeça, me machucaram, me agrediram, como eu estava com a arma, me defendi. Efetuei os disparos e fiquei em choque. Nessa hora, meu irmão viu que fiquei em choque, pegou a arma e fez menção que ia atirar, mas não deu nenhum tiro", relata Valteir em depoimento à polícia.

Em Mato Grosso, depois da prisão, na audiência do custódia, Valdoir contou praticamente a mesma história.

"Eu tinha 18 anos e aconteceu esse fato com meu irmão. Ele propôs se entregar e conversou com o delegado, mas o delegado falou 'não, não vai só você preso, vai você e seu irmão'. O meu pai falou 'eu não vou entregar meus dois filhos'. Eu não tinha nada a ver com isso", depôs Valdoir.

Mas no processo em Rondônia, a versão é diferente. Na briga por causa de uma vaga no estacionamento de uma festa, um amigo dos irmãos teria passado uma pistola para Valdoir, indicando em quem ele deveria atirar. Com a cobertura de Valteir, o irmão teria atirado, matado duas pessoas, e ferido outra que conseguiu fugir. Por fim, Valteir teria pego a arma que estava com o irmão e disparado contra as vítimas, mas a arma teria falhado.

O advogado de Valteir, Rafael Borges da Cruz, assumiu também o caso do Valdoir, o vereador que usava o nome de Marcio Túlio.

"As informações do irmão são importantes no sentido de que ele confessou que foi ele quem efetuou os disparou do crime em Rondônia. E isso tira sobre o Márcio Tulio o peso, porque o crime grave, nesse caso, que ele tá respondendo, seria o do homicídio. Então se ele não tiver sido parte disso, é mais um ponto para ele, ainda mais que ele é uma pessoa bem quista na cidade, já foi eleito vereador por duas vezes, então acreditamos que é de suma importância. Mas isso só lá em Rondônia. A Justiça de lá que vai decidir", diz Rafael.

Os documentos de identidades dos irmãos, com os nomes de Márcio e Elizeu, são documentos feitos pelo Instituto Estadual de Identificação de Goiás. Mas para a confecção foram usadas certidões de nascimento furtadas dos primos falecidos, que não tiveram os óbitos registrados.

Segundo o papiloscopista de Barra do Garças, Walter Santana da Costa, o sistema de identificação no Brasil deixa brechas.

"Uma pessoa que fez uma identidade em Rondônia não poderia fazer uma identidade em Goiás, com dados diferentes, e se passar por uma pessoa a vida inteira. O que precisa ser feito é o RG único no país.

O RG único foi instituído no país no mês passado. Os estados têm cerca de um ano para se adequarem à mudança. O documento, além de físico, será digital, e usará o numero do CPF como identificação única.

"Isso vai impedir que pessoas como essas, mal-intencionadas, possam mudar o nome e viver uma vida totalmente diferente, esquecendo seu passado obscuro para trás", diz Walter.

Foi também com a identidade de outra pessoa que Valdoir registrou candidatura pra concorrer ao cargo de vereador, duas vezes.

A vereadora Rosana Aires de Souza Silva (PSD) fala que ficou apreensiva com a situação. "A gente sabe que tem uma dificuldade para registrar uma candidatura. São exigidas muitas documentações", afirmou.

Segundo o advogado especialista em direito eleitoral, Estácio Chaves de Souza, os partidos preenchem o registro de candidatura, anexam documentos pessoais, certidões negativas criminais.

"A própria Justiça Eleitoral possui banco no qual pesquisa alguns dados, o MPE também atua como fiscal da lei, mais um nível de confiabilidade. Parece que nesse caso o que pegou foi a utilização de documentos falsos e o crime ter sido praticado em outro estado, talvez pelos sistemas da polícia serem estaduais, não haja essa comunicação", disse.

As passagens pela polícia, como o vereador tem não são suficientes pra impedir candidatura pela Lei da Ficha Limpa.

"Eu consultei o processo de registro de candidatura dele de 2020 e lá consta pelo menos as investigações que tinham contra ele em Água Boa. Mas, como são investigações, não impede que seja candidato, já que a Lei só veda com pessoas condenadas em trânsito em julgado ou em segunda instância", disse o advogado.