Quatro ministros votam para permitir renovação sem limite de aval para escuta

17/03/2022 17/03/2022 06:52 118 visualizações
A interceptação telefônica pode ser prorrogada por períodos sucessivos de 15 dias, enquanto for necessária, adequada e proporcional. Para isso, é preciso levar em conta o material colhido nos períodos anteriores. E a decisão que autoriza a renovação da medida deve ser motivada em elementos concretos, com justificativa legítima, levando em conta as informações já coletadas e os resultados esperados. Assim, são ilegais motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto. Essa foi a tese de repercussão geral apresentada nesta quarta-feira (16/3) pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso, permitindo a renovação sucessiva e interceptação telefônica, sem limite de prazo. O entendimento foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, André Mendonça e Nunes Marques. O ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência. O julgamento será concluído na sessão desta quinta (17/3). O Recurso Extraordinário 625.263 discute a possibilidade de se renovar sucessivamente a autorização de interceptação telefônica para fins de investigação criminal, sem limite definido de prazo. A Lei das Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/1996) diz que as escutas devem ser determinadas por meio de decisão judicial fundamentada, não podendo exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual período, quando comprovada a indispensabilidade desse meio de prova. A Constituição Federal, por sua vez, permite em seu artigo 136 a quebra de sigilo telefônico (reconhecido como uma garantia fundamental) em caso de decretação de estado de defesa, cuja duração não será superior a 30 dias, podendo ser prorrogado uma vez. Em seu voto, Gilmar apontou que o STF admite mais de uma prorrogação da interceptação telefônica (Inquérito 2.424 e Habeas Corpus 83.515 e 106.129). O artigo 5º da Lei das Interceptações Telefônicas estabelece que "a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova". Para Gilmar, a expressão "uma vez" diz respeito à necessidade de que a motivação demonstre a "indispensabilidade do meio de prova". "Ou seja, não há na lei limitação à possibilidade de renovação sucessiva por igual tempo", avaliou ele. "Assentar que a interceptação telefônica somente poderia ser renovada uma única vez acarretaria exagerada limitação aos meios de investigação no processo penal. Trata-se de medida pertinente, desde que devidamente motivada e limitada por critérios para proteção de direitos fundamentais", declarou o magistrado. Quanto ao prazo máximo para prorrogações, a decisão recorrida menciona 60 dias, máximo de duração do estado de defesa, de acordo com o artigo 136, parágrafo 2º, da Constituição Federal. O raciocínio é que se o estado de defesa, um período excepcionalíssimo, só permite o sigilo das telecomunicações por 60 dias, não haveria sentido em permitir a prorrogação das interceptações telefônicas por prazo maior, com fundamento, em tese, menos grave — prática de crimes. Contudo, Gilmar Mendes avaliou que essa comparação é inviável. Afinal, no estado de defesa há a suspensão da cláusula de reserva de jurisdição. Portanto, as comunicações telefônicas podem ser interceptadas independentemente de autorização judicial. O ministro opinou que o legislador poderia adotar um prazo máximo para os grampos. No entanto, com a Lei das Interceptações Telefônicas, não é possível estabelecer um teto com base exclusivamente na proporcionalidade, embora tal princípio possa ser empregado como guia para o controle de prorrogações em casos concretos, segundo o magistrado. De acordo com Gilmar, para justificar a prorrogação da interceptação — e a manutenção da agressão que a medida provoca à inviolabilidade da vida privada e da intimidade —, é preciso uma demonstração concreta da expectativa de que a medida será produtiva. Para isso, é preciso examinar os resultados que a escuta já produziu. Se não tiver gerado dados relevantes, "sua renovação dependerá de um esforço argumentativo maior, demonstrando a probabilidade de esperar resultado diverso no período subsequente", disse o ministro. Dessa maneira, o relator propôs as seguintes teses de repercussão geral:
1. A medida de interceptação telefônica pode ser prorrogada por períodos sucessivos de 15 dias, enquanto for necessária, adequada e proporcional. 2. A análise de proporcionalidade da prorrogação deve levar em conta o resultado das investigações realizadas, especialmente a partir do material colhido nos períodos anteriores. Em caso de ausência de resultados incriminatórios, é necessário avaliar se, diante da suspeita inicial, ainda há justa causa para prolongar o tempo de interceptação. 3. A fundamentação das prorrogações deve cotejar o material interceptado com as hipóteses investigativas trabalhadas. É necessário que se demonstrem os resultados que ainda podem ser aportados pelo meio de investigação em andamento, para justificar a necessidade de sua prorrogação. 4. A decisão que autoriza a renovação da interceptação deve ser motivada em elementos concretos, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações a partir das informações coletadas até o momento e os potenciais resultados ainda esperados. Assim, são ilegais motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto.
Caso concreto O RE 625.263 foi interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que, ao conceder Habeas Corpus, anulou todas as provas obtidas a partir de escutas telefônicas que duraram mais de dois anos, ininterruptamente, em investigação criminal realizada no Paraná. Apontando "evidente violação do princípio (constitucional) da razoabilidade", o STJ considerou ilícitas as provas, determinou que os autos retornassem à primeira instância (2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Paraná) para que fossem excluídas da denúncia as referências a tais provas. No Supremo, o MPF afirma que as escutas foram realizadas no contexto de uma ampla investigação conhecida como "caso Sundown", que apurou a prática de crimes graves, como delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, corrupção, descaminho, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ainda segundo o MPF, a decisão do STJ "abriu espaço" para a invalidação de centenas de operações policiais que investigaram organizações criminosas e delitos complexos em todo o território brasileiro por meio de escutas que tenham durado mais de 30 dias. No recurso, o MPF pede a anulação da decisão do STJ e o reconhecimento da validade das interceptações telefônicas e das provas delas decorrentes. No caso concreto, Gilmar Mendes votou para negar o recurso e manter a anulação das interceptações telefônicas. Conforme o magistrado, "as prorrogações são parcamente fundamentadas, e o resultado das investigações é inconsistente". "Sem analisar elementos concretos, as motivações nesses autos foram padronizadas, basicamente reproduções de modelos genéricos, que não podem ser consideradas como legítimas a embasar a restrição de direito fundamental por sucessivas renovações, a totalizar mais de dois anos de interceptações", analisou o ministro, considerando as interceptações nulas por deficiência de fundamentação. Voto divergente O ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência, votando para aceitar o recurso no caso concreto para declarar a validade das interceptações telefônicas e de todas as provas delas decorrentes. Isso por entender que foi demonstrada a necessidade da medida, constantemente renovada, sem abuso ou desproporcionalidade. Quanto às teses propostas pelo relator, Alexandre disse não descartar segui-las, mas manifestou preocupação com alguns pontos, especialmente quanto à exigência de se demonstrar que foram colhidos dados relevantes nos 30 dias anteriores para renovação da medida. "Só em filme que se pega algo no primeiro fim de semana de interceptação. São meses, às vezes anos de interceptação para se obter resultados. O prazo inicial da lei é diminuto (15 dias). É um trabalho detalhado. Não dá para exigir que, a cada 30 dias, se mostre o que se coletou. A continuidade se dá porque, apesar da base probatória que permitiu ao juiz deferir a investigação, é um meio de prova dificílimo. Retroativamente, isso vai anular condenações em grandes operações de tráfico de drogas e corrupção. Nas grandes operações, o prazo de 30 dias não é excessivo", declarou, argumentando que se a necessidade da escuta foi demonstrada desde o início, não é necessário reapresentá-la a cada renovação. Com informações da assessoria de imprensa do STF.