Por ambições eleitoreiras, "lava jato" criminalizou a política, diz Renan

10/08/2020 10/08/2020 08:10 90 visualizações
Pouco depois de prestar depoimento formal para o Conselho Nacional do Ministério Público em processo que move contra o procurador da República Deltan Dallagnol, no último dia 27 de julho, Renan Calheiros (PMDB-AL) atendeu à reportagem da ConJur, por telefone, de Maceió. O senador afirma — com base em uma série de manifestações públicas do procurador — que Deltan trabalhou para impedir a sua eleição para o comando do Senado em 2019. O pleito acabou vencido por Davi Alcolumbre (DEM-AP). "Ele fez publicações quase diárias, fez campanha pelo voto aberto, disse que minha vitória seria um retrocesso no combate à corrupção", afirma.
Após a queixa de Renan, foi aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o procurador. Na época, o conselheiro Orlando Rochadel afirmou que houve nítida manifestação de cunho político. "Ao se manifestar sobre a eleição no Senado, Deltan comprometeu a imagem dos demais membros do Ministério Público ao dar as declarações sobre a eleição", disse na abertura do processo. Com 40 anos de vida pública, Renan se tornou nos últimos anos um verdadeiro estandarte do que se costuma chamar de "velha política". Ele, no entanto, disse acreditar que alguns membros do Ministério Público o enxergavam de modo distinto. "O Congresso atuou como peça de resistência da democracia e, como eu estava na presidência, acabei me tornando o símbolo disso tudo. Sem fato para me condenar, eles me transformaram em multi-investigado. Negociavam a citação do meu nome com delatores que, inclusive, nem me conheciam. Tudo absolutamente sem prova", afirma ao lembrar de seu posicionamento no auge do lavajatismo. Sobre a experiência de se tornar um "multi-investigado", Renan escreveu o livro "Quanto maior a perseguição, mais óbvia a verdade", em que narra, do seu ponto de vista, as acusações contra ele e os efeitos da criminalização da política. Apesar de achar que o consórcio de Curitiba prestou alguns serviços para o país, o senador é absolutamente crítico ao que ele chama de excessos motivados por ambições políticas. Um dos exemplos disso é, segundo Renan, a atuação do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. "Foi um péssimo ministro. Durante a sua presença no ministério, ele não conseguiu sequer ouvir o Queiroz", resume. Renan também falou sobre excessos cometidos atualmente, pregou a separação harmoniosa entre poderes e afirmou acreditar que as instituições estão dando sinais de que poderão combater o fenômeno das fake news e seus desdobramentos eleitorais. Leia abaixo os principais trechos da entrevista: ConJur — O senhor vem sendo alvo de uma série de acusações nos últimos anos. Já foi absolvido de grande parte delas. Qual balanço faz desses episódios? Renan — O que aconteceu no meu caso foi uma odiosa perseguição. Eu sempre defendi toda e qualquer operação. Principalmente a "lava jato", pelos relevantes serviços ao país, mas me posicionei contra sempre que essa operação cometeu excessos e priorizou objetivos políticos eleitorais. Da mesma forma que nós disponibilizamos leis para o combate à corrupção, fizemos leis para combater esses abusos. Não aprovamos as dez medidas de combate à corrupção, o fim do Habeas Corpus e a validação de prova ilegal. O Congresso atuou como peça de resistência da democracia e, como eu estava na presidência, acabei me tornando o símbolo disso tudo. Sem fato para me condenar, me transformaram em multi-investigado. Negociavam a citação do meu nome com delatores que, inclusive, nem me conheciam. Tudo absolutamente sem prova. Abriram mais de 20 investigações e mais de dois terços delas já foram arquivadas pela Polícia Federal, pelo próprio Ministério Público e pelo Supremo Tribunal Federal. ConJur — O senhor recentemente prestou depoimento formalmente em processo do CNMP contra o procurador Deltan Dallagnol. Pode falar um pouco sobre esse caso? Renan —Prestei depoimento e pedi agilidade processual. Porque entramos com uma representação que tem materialidade. Acredito que seja a primeira vez na história da República que se comprova a utilização do Ministério Público com interesses políticos eleitorais. Alguém (Deltan) que não respeita a vedação constitucional e interfere em outro poder. Falei sobre os fatos, sobre as provas contidas na representação e respondi a perguntas do MP e do advogado da outra parte. Essa representação que eu fiz é anterior às revelações feitas pelo The Intercept Brasil, que só aconteceram quatro meses depois. Tudo que a representação contém se mostrou comprovado com as revelações da "vaza jato". O fato de que alguns representantes do Ministério Público tinham projetos políticos, que queriam apresentar ao menos um candidato ao Senado em cada Estado, que se apropriaram de R$ 2,7 bilhões que já estavam nos cofres da fundação de Curitiba em benefício próprio e que contou com a cooperação ilegal de outros países na investigação que comprometeu o interesse nacional. ConJur — No livro "Quanto maior a perseguição, mais óbvia a verdade", o senhor cita Cícero (Marco Túlio Cícero, 106–43 a.C) ao abordar os desafios da atuação dos políticos. A citação termina com o trecho que diz que os amigos do político "são extremamente prudentes ao defendê-lo contra a calúnia!". O senhor se identificou com essa máxima durante o processo? Renan —É. Até então eu não conhecia esse tipo de prática do MP. Ao menos em relação a mim. Mas, desde a primeira fase da operação, eles já me colocaram como multi-investigado. Como alguém que precisava ser colocado como símbolo do combate à corrupção no Brasil, porque era presidente do Congresso Nacional. Pediram a minha prisão e o meu afastamento. Vazaram investigações, enfim... Fizeram uma publicidade opressiva nunca vista. Que é algo que tem que acabar porque isso representa muito bem o lavajatismo que imperou no Brasil nos últimos anos. ConJur — O senhor já afirmou que o ex-ministro Sergio Moro deveria ter uma formação fascista. E mais recentemente que era a "cloroquina" da política brasileira. Qual balanço o senhor faz de sua passagem no Ministério da Justiça? Irá se dar bem na política? Renan —O Moro sujou completamente sua biografia aceitando produzir fatos políticos para favorecer a eleição do Jair Bolsonaro, e depois integrando o seu próprio governo. Foi um péssimo ministro da Justiça. Durante a sua presença no ministério não conseguiu sequer ouvir o (Fabrício) Queiroz. E, por fim, saiu melancolicamente. Acredito que esses rompantes de autoritarismo e a utilização da Justiça e do Ministério Público com objetivos políticos eleitorais são coisas que precisam ser totalmente esclarecidas e punidas. Tanto Dallagnol como Moro precisarão passar por essa punição. Só assim nós teremos a validação desse importante momento político em que vive o país. ConJur —Recentemente o senhor afirmou que a força-tarefa de Curitiba está sendo colocada em seu devido lugar, e que alguns procuradores estão voltando para planície, abaixo do olimpo que criaram. Isso poderia ter sido feito antes ou a conjuntura política não permitia esse freio de arrumação? Renan —Nós aprovamos a lei da delação (Lei 12.850/2013) no Congresso. Ela sequer foi regulamentada. Eu mesmo fui investigado por defender a regulamentação da lei da delação premiada. Pasme! O Supremo regulamentou depois. Evidente que o STF demorou a ter uma participação mais efetiva a favor da Constituição, da legalidade e do respeito aos direitos das pessoas. Só que esse posicionamento veio, e isso equilibra de certa forma essas ações. Mas reitero que é preciso haver punição daqueles que se apoderaram do processo. ConJur —As violações da "lava jato" têm sido descobertas paulatinamente e, apesar de graves, produziram até aqui poucos efeitos. Quais desdobramentos o senhor espera? Renan —Espero que haja responsabilização daqueles que se excederam em todas as direções. Mas não generalizo. Temos muitas pessoas corretas na Justiça e no Ministério Público Federal. É preciso separar o joio do trigo e punir para deixar o exemplo. ConJur — O senhor acredita que é preciso aperfeiçoar a lei de delação premiada? Renan —Sim. A lei de delação no Brasil foi regulamentada na prática pela "lava jato". Acho que a exemplo do que acontece no mundo todo é preciso ter alguns elementos condicionantes como proibir as prisões para forçar delação, vetar a negociação de informações que os acusados não possuem e não permitir o vazamento opressivo transformando a investigação em sigilosa. Acho que a lei precisa de aperfeiçoamento sobretudo em função do que houve na sua aplicação. É preciso aprender com o que aconteceu e o papel desempenhado por Janot, Marcelo Miller, o ex-juiz Sergio Moro, entre outros. ConJur —Em dado momento da epidemia o senhor levantou a bandeira da retomada dos trabalhos presenciais no Senado. Na época, disse que o movimento era necessário para apoiar o Judiciário no combate às fake news. O senhor considera que o Parlamento tem se posicionado adequadamente na defesa das instituições? Renan —Acredito que o Parlamento, com muita dificuldade, tem feito sua parte. O funcionamento remoto esvazia o potencial existente na articulação e no convencimento entre as diferentes correntes políticas. E, em um momento de crise, é fundamental que o Poder Legislativo cumpra o seu papel. Por isso defendo que façamos sessões presenciais, mesmo sem a participação de assessores. É preciso reforçar ainda mais o Congresso neste momento difícil da vida nacional. ConJur — Qual a sua opinião sobre o recente caso de tentativa de busca e apreensão no gabinete do senador José Serra? Renan Calheiros —O Davi Alcolumbre fez o que deveria ser feito, que é acionar o Supremo Tribunal Federal. Já havíamos feito isso quando estive na presidência, não durante a operação, mas depois da operação. A decisão do presidente do Senado foi muito importante e eu a apoio. A invasão no gabinete é abominável sob qualquer aspecto. Anos depois de um fato se fazer busca e apreensão no gabinete de um senador... É um movimento que expõe o Senado e a própria democracia. ConJur — Qual o limite institucional da atuação do Judiciário e do Legislativo para que os poderes não briguem? Renan Calheiros —O papel do Poder Legislativo é estratégico na harmonia que tem que haver entre os poderes. Muitas vezes você tem dificuldade de iniciativas por parte do Judiciário e do Executivo, e elas precisam ser encaminhadas pelo Legislativo. O Congresso cumpre seu melhor papel quando colabora com a harmonia e a independência entre os poderes. O Judiciário e o Legislativo estão fazendo a parte deles. Eu torço para que o Executivo faça uma reflexão no sentido de que esses rompantes autoritários não sejam levados adiante. Primar pela harmonia é a melhor forma de encaminhar de forma eficiente as demandas da população. ConJur — Recentemente o ministro Gilmar Mendes usou de uma hipérbole, afirmando que o Exército estava se associando a um "genocídio" ao aceitar fazer parte da condução das políticas públicas desastrosas de enfrentamento à Covid-19. A fala foi encarada como um ataque por setores militares, mas foi endossada por parte da opinião pública. Como o senhor enxerga a política do governo federal no combate à pandemia? Renan —A colocação do ministro Gilmar Mendes foi pedagógica. Chamou a atenção do Exército para que não se permita a possibilidade dessa vinculação, porque é prejudicial à imagem e ao papel que ele precisa cumprir. Na formação do Brasil, nós tivemos a participação decisiva de três instituições em todos os momentos: o Conselho de Estado no Império, as Forças Armadas e o Senado Federal. Essas três instituições foram fundamentais nesse processo. Evidente que a ligação da imagem do Exército a esse encaminhamento equivocado no enfrentamento à Covid-19 é muito prejudicial para a imagem da instituição. Por isso, apoiei o ministro Gilmar. ConJur — O senhor se posicionou contra a volta da CPMF. Acredita que é o momento adequado para discutir uma reforma tributária? Renan — Acho que a tentativa de se fazer uma reforma tributária que simplifique, alivie o contribuinte e que equilibre a federação é sempre elogiável. No que depender de mim, vou me esforçar para que aconteça. Agora, a recriação isolada da CMPF é prejudicial porque apenas aumenta a carga tributária. Precisamos de uma reforma profunda com a revisão de créditos tributários, unificação de impostos, uma taxação diferente para o consumo e o aumento de taxação patrimonial. ConJur — O senhor várias vezes é apontado como um sobrevivente da "velha política". Após a eleição de 2018, qual a sua opinião sobre os representantes da "nova política"? Renan —Tivemos uma renovação muito grande em 2018. Isso foi consequência da criminalização da política e do envolvimento de setores do Ministério Público e do Judiciário com interesses próprios e projetos de poder. Para se ter uma ideia da renovação, só cinco senadores se reelegeram no Nordeste. Inclusive eu. Evidente que a eleição de novos representantes possibilita o aparecimento de parlamentares respeitáveis. No frigir dos ovos a nova política revela mais parlamentares que colaboram com o aperfeiçoamento das instituições. ConJur — O processo eleitoral de 2018 foi marcado pelas fake news. O senhor acredita que no próximo pleito as instituições estarão mais preparadas para lidar com esse problema? Renan —Inclusive é o caso que discutimos hoje. Com a participação de setores do Ministério Público. Nas mensagens de Dallagnol contra mim, nós temos muitas fake news. Ele compartilha mensagens agressivas que objetivam a desonra das pessoas. Esse foi um processo que pode ser entendido como tal. Para o próximo processo eleitoral, as instituições estarão mais preparadas. A própria dedicação do Congresso e do Supremo para elucidação desses fatos demonstram por si que teremos uma eleição diferente.