Júlio Croda, ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis, afirma que flexibilização em vários estados vai acelerar a disseminação do novo coronavírus
O debate sobre a flexibilização do isolamento social em virtude da pandemia do novo coronavírus começa a ganhar corpo no Brasil. Estado mais afetado no país, São Paulo divulgou, na semana passada, um plano para dar início ao desconfinamento. O Amazonas segue caminho semelhante, mas, no interior, os rumos serão decididos individualmente pelos prefeitos. Especialistas, no entanto, alertam: as medidas que tornam a quarentena menos rígida devem ser tomadas coletivamente, considerando as necessidades de cada região. O sistema de saúde de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, está no limite. Na última quinta-feira, um dia após o governador João Doria (PSDB) anunciar a flexibilização da quarentena no estado, 100% das unidades de terapia intensiva (UTIs) da cidade estavam ocupadas. Ao divulgar o plano, composto por cinco fases, o governo paulista estabeleceu uma série de indicadores para o flexibilização gradual. A capacidade ociosa de leitos é um deles. As cidades que circundam a capital foram divididas em cinco subáreas. Elas devem apresentar, juntas, propostas para retomar as atividades. Enquanto isso não ocorre, apenas os serviços essenciais podem funcionar. Para aderir à retomada gradual, que começa nesta segunda em parte do estado, os municípios terão que seguir, também, outros critérios, como o uso obrigatório de máscaras, a continuidade das medidas de distanciamento em áreas públicas e a redução da curva de infectados.
Em
Guarulhos, o colapso, por ora, é evitado por ações como a utilização de leitos extras, instalados em salas vermelhas, onde são alojados pacientes que, muitas vezes, aguardam a vacância de UTIs. Por lá, a ocupação dos leitos de alta complexidade está 84,9% acima da média estadual,
São Paulo soma, segundo o boletim divulgado ontem pelo Ministério da Saúde, 107.142 infecções e 7.532 mortes em decorrência da doença.
Segundo o DataSUS, Guarulhos tem 180 leitos de UTI nos hospitais públicos – 80 deles exclusivos aos pacientes da COVID-19. Há, ainda, outros 494 leitos clínicos. “O município está no limite no que se refere aos leitos de UTI para COVID-19, mas a prefeitura está se empenhando e está muito próxima de ampliar esse número com a contratação de leitos privados para garantir a assistência à população”, diz, em nota, a administração municipal. Questionada pelo
Estado de Minas sobre o andamento das negociações, a prefeitura guarulhense alega que o movimento está em “fase final”, mas que ainda não é possível calcular o montante a ser gasto.
Dilema no Norte do país
O governador amazonense, Wilson Lima (PSC), também programou o início da flexibilização para hoje. Ao anunciar a medida, ele explicou que o programa vale apenas para a capital, Manaus, visto que no interior a decisão caberá aos gestores locais. Contudo, em entrevista exclusiva para o
Estado de Minas, o
infectologista Júlio Croda, ex-integrante do Ministério da Saúde, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), diz que o relaxamento das restrições não pode ser pensado municipalmente. “Quando um paciente de uma cidade que não tem UTI precisa de um leito, ele é encaminhado a uma das vagas disponíveis naquela macrorregião. A decisão de flexibilizar ou restringir o isolamento tem que ser tomada em conjunto, entre todas as cidades de uma macrorregião. Todas serão impactadas por um aumento no número de casos. As cidades não podem ser olhadas individualmente, pois 80% dos nossos municípios têm menos de 20 mil habitantes e a maioria não conta com leitos de UTI”, explica. Segundo ele, a ausência de diretrizes vindas do governo federal torna complicada a situação enfrentada por unidades federativas e cidades. “Sem o apoio da presidência e com estados e municípios pressionados pela iniciativa privada para reabrir mesmo sem leitos, o que vai acontecer é um massacre. Quem está morrendo? Pretos e pobres, que moram em comunidades carentes, onde o vírus circula mais intensamente, já que a população de baixa renda não consegue cumprir o distanciamento social. Nas classes altas, o vírus circula menos e há mais leitos no setor privado. Em compensação, nas classes pobres, há mais circulação e faltam leitos”, afirma.