Coronavirus e relações de trabalho

20/03/2020 20/03/2020 09:34 143 visualizações
Antonio Galvão Peres* Luiz Carlos Amorim Robortella* A pandemia do coronavírus, assim classificada, dia 11, pela Organização Mundial de Saúde, pode ensejar medidas extremas que afetam a produção de bens e serviços, como na China e Itália. A suspensão de atividades empresariais, isolamento e quarentena de trabalhadores se revelaram necessários, sendo difícil saber se poderiam ser evitadas. Essa dramática experiência desvela os riscos do alastramento da doença no Brasil, justificando medidas para proteção dos trabalhadores e população em geral. Em 6 fevereiro último, foi sancionada a Lei nº 13.979/20, autorizando, em seu artigo 3º, medidas para conter a pandemia como isolamento, quarentena e determinação compulsória de exames. Em 12 de março, foi publicada a Portaria nº 356/20 do Ministério da Saúde, regulamentando a lei. Eis o prenúncio de atos extremos. A legislação trabalhista e previdenciária não oferece solução para todos os impasses no ambiente de trabalho, o que recomenda negociação de regras específicas com os sindicatos. É essencial o aprofundamento dos estudos para prevenir maiores danos e reduzir os impactos inevitáveis. A negociação coletiva deve ser protagonista na busca de soluções, especialmente após sua valorização pela Reforma Trabalhista de 2017 e por importantes precedentes do STF. O artigo 61, § 3º, da CLT, prevê interrupção do trabalho por motivo de força maior, compensada com acréscimo de duas horas à jornada contratual após a retomada das atividades, limitado a 45 dias. Como há divergências de interpretação sobre serem ou não remuneradas essas horas de compensação, recomenda-se o acordo coletivo com o sindicato. Medida salutar é o aumento do trabalho em home office, reduzindo as aglomerações e os riscos de contágio nas empresas. A reforma de 2017 regulamentou o teletrabalho com a inserção dos artigos 75-A a 75-E na CLT. Permite a alteração do regime presencial para teletrabalho mediante acordo individual  registrado em aditivo contratual.Um acordo com o sindicato pode regulamentar a matéria e prever, por exemplo, a compulsoriedade do regime para todos, sem  anuência individual por se tratar de interesse coletivo. Empresas e sindicatos podem se valer do lay off previsto no artigo 476-A da CLT. Esse dispositivo admite a negociação para suspensão dos contratos por período de dois a cinco meses, exigindo como contrapartida o custeio de curso ou programa de qualificação profissional. Como o contrato estará suspenso – sem salários – é possível negociar ajuda compensatória mensal (uma espécie de “bolsa”) e a concessão de outros benefícios (vg. manutenção do plano de saúde, vale-alimentação etc). É viável também negociar com o sindicato a redução da jornada ou da carga horária semanal, com proporcional redução de salários, a concessão de licença (remunerada ou não) e outras medidas para amenizar o risco de contágio ou ajustar a produção à escassez de insumos (matéria prima) ou de demanda (setor hoteleiro, por exemplo). Nas hipóteses de contágio, os 15 primeiros dias de afastamento são remunerados pelo empregador. A partir do 16º dia o empregado faz jus a um benefício previdenciário denominado auxílio-doença, mas, para tanto, precisa preencher algumas condições, notadamente a carência de 12 meses. Largo campo para conflitos está no poder diretivo do empregador. Há dúvidas sobre a possibilidade de obstar o ingresso de pessoas com sintomas da doença ou oriundas de áreas de maior contágio (vg. China e Itália). Em nossa opinião, se houver recomendação médica, o empregador pode implementar a medida, mas assumirá riscos (acusações de assédio moral e discriminação, por exemplo). O tema também é cabível em negociação coletiva, ainda mais na ausência de lei ou medida provisória específica. A depender da amplitude de atos extremos das autoridades, aflora o chamado factum principis. A proibição pelo Estado de atividades empresariais ensejando a rescisão de contratos de trabalho pode, em certos casos, transferir para ele a  responsabilidade pela indenização rescisória, conforme artigo 486 da CLT. Na prática, a aplicação dessa regra é dificultada pela confusão entre força maior (pandemia) e ato estatal derivado (extinção da atividade por intervenção estatal como desapropriação ou proibição legal). Empresas, empregados e autoridades de todos os níveis devem se engajar em medidas preventivas no ambiente de trabalho para diagnosticar a doença, propor profilaxia e desenvolver remédios à luz dos mecanismos existentes e outros que possam ser criados. *Advogados, doutores em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP)